O realizador Vicente Alves do Ó, em homenagem ao seu novo filme 'Portugueses', critica a desidentificação do público com o cinema nacional e o impacto devastador da pandemia na receita das salas.
Vicente Alves do Ó, o realizador por trás da estreia do filme 'Portugueses', expressa uma preocupação alarmante: o cinema português "está a morrer". Em declarações à agência Lusa, argumenta que a ausência de identificação dos espectadores com as histórias apresentadas é uma das principais razões para a queda nas audiências. "As pessoas vão ao cinema e não se sentem representadas, o que resulta num desinteresse crescente pelos nossos filmes", afirma.
O novo filme, um musical que narra meio século da História recente de Portugal - desde o final da ditadura até os primeiros passos da democracia - é uma tentativa de Vicente Alves do Ó de abordar temas que considera negligenciados pelo cinema contemporâneo. Com 53 anos, o realizador deseja explorar as complexidades e contraditórios da identidade portuguesa, "sem distinções de classe social", e trazer à luz as histórias de quem, muitas vezes, não é ouvido.
'Portugueses' é estruturado cronologicamente, retratando eventos cruciais entre 1971 e a Revolução de 25 de Abril de 1974, e conta com um elenco diversificado de 50 atores que dão vida a um mosaico de relatos sobre a sociedade portuguesa. Cada representação perfila desde os que se exilaram para escapar à Guerra Colonial até figuras emblemáticas como Celeste Caeiro e Catarina Eufémia, refletindo as lutas operárias, as injustiças sociais e os direitos humanos.
O filme também traz uma seleção de músicas icónicas de ativismo, interpretadas por artistas como José Mário Branco e Sérgio Godinho, que ajudam a contar esta história viva. Vicente Alves do Ó descreve o seu filme como uma "corrida de estafeta", em que as várias histórias se entrelaçam, fazendo com que diversas vozes e experiências se conectem.
O realizador destaca que, para o cinema e a arte em geral, a função de promover identificação e transformação nas audiências é primordial, algo que, segundo ele, está a falhar no contexto do cinema português. "Se o público não se vê nos filmes, nada muda. Precisamos de repor as pessoas diante de si próprias", conclui.
Dados recentes do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) revelam que, em 2024, apenas 62 filmes portugueses estrearam, representando 15,9% do total de estreias nas salas. No entanto, estes filmes arrecadaram apenas três milhões de euros e foram vistos por cerca de 533.895 espectadores, o que equivale a uma quota de mercado muito reduzida. Para Alves do Ó, a pandemia da covid-19 e o aumento do consumo de conteúdos em streaming foram decisivos para esta crise.
Com 25 anos de carreira, Vicente Alves do Ó já realizou várias obras, começando com o telefilme 'Monsanto'. A sua primeira longa-metragem 'Quinze pontos na alma' estreou em 2011, seguida de títulos como 'Florbela' (2012) e 'Al Berto' (2017). Referindo-se ao seu novo projeto, revela que após várias tentativas, conseguiu financiamento do ICA apenas à terceira abordagem, sentindo sempre que está "a recomeçar" cada vez que apresenta uma nova proposta.
"É uma competição intensa, onde apenas poucos projetos obtêm apoio. Cada vez que volto ao ICA, parece que estou a voltar à estaca zero. O único trunfo que tenho é o projeto em si", conclui o realizador, sublinhando os desafios do cinema nacional.