Memorável Aliança de Artistas em Prol dos Sem Terra

Em 1997, três figuras proeminentes da cultura brasileira, Sebastião Salgado, José Saramago e Chico Buarque, uniram-se na publicação do livro Terra, uma obra que se tornou um testemunho poderoso das lutas e do sofrimento dos camponeses brasileiros após o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, onde 19 manifestantes do Movimento dos Sem Terra perderam a vida.

O livro é composto por 137 impressionantes fotografias a preto e branco capturadas por Salgado ao longo de quase duas décadas. Estas imagens retratam a dura realidade dos "desterrados no Brasil", fixando os rostos dos camponeses, suas famílias e o cotidiano das crianças que habitam as ruas. O fotógrafo documenta os assentamentos do Movimento dos Sem Terra, que clamavam pelo direito à terra.

Após o massacre, Salgado convidou Saramago para redigir o prefácio do livro, uma solicitação que o escritor português aceitou com uma profunda reflexão. Em seu diário, Saramago descreveu a visita de Salgado e sua esposa, Lélia, a Lanzarote, onde discutiram o projeto. Ele notou a dificuldade em encontrar palavras que pudessem fazer justiça às imagens de dor e luta que viu.

As páginas do diário de Saramago revelam o impacto emocional da experiência: "Passando as fotografias de mão em mão, quase em silêncio, com um nó na garganta e os olhos afogados". Ele enfatizou que as imagens de ocupações de terras abandonadas, repressão policial e a agonia dos trabalhadores eram mais eloquentes do que qualquer palavra.

Saramago afirmou que a contribuição que deu não era apenas uma introdução, mas um manifesto conjunto, uma ação solidária e contundente diante da injustiça.

Além das fotografias e do prefácio, Terra incorpora quatro canções de Chico Buarque, que se entrelaçam com as imagens de Salgado e o texto de Saramago, evocando a memória dos massacres e a luta contínua por direitos. As músicas, incluindo "Levantados do Chão," lançam luz sobre as vozes dos que clamam por justiça e dignidade.

O impacto de Terra foi reconhecido quando, em 1998, a obra rendeu a Salgado o Prémio Jabuti de Literatura na categoria reportagem. Ao longo dos anos, a tríade de artistas cedeu os direitos da edição brasileira ao Movimento dos Sem Terra, consolidando seu compromisso com a causa.

Infelizmente, em 2023, o mundo da fotografia perdeu Sebastião Salgado, aos 81 anos, um gigante que sabia capturar a essência da luta humana através das suas lentes, conforme noticiou o Instituto Terra, ONG que fundou e que continua a sua luta por justiça social.