A Assembleia Nacional francesa deu um passo decisivo ao aprovar a criação do direito à assistência na morte. Esta reforma marca um momento histórico num tema polarizador na sociedade francesa.
No dia de hoje, os deputados da Assembleia Nacional francesa deram um sinal claro ao aprovarem, na sua fase inicial, a criação de um direito à assistência na morte, abrindo caminho para uma reforma significativa proposta pelo presidente Emmanuel Macron.
Macron elogiou a decisão, classificando-a como um "passo importante" e enfatizando a necessidade de respeitar as diferentes sensibilidades envolvidas. "O caminho da fraternidade que eu desejava abre-se progressivamente, com dignidade e humanidade", partilhou na rede social X.
O primeiro-ministro François Bayrou, tradicionalmente cauteloso sobre a questão, expressou as suas reservas, afirmando que, se fosse deputado, optaria por se abster na votação.
Durante a sessão, duas propostas foram examinadas. A primeira, que estabelecia um "direito passível de oposição" em relação aos cuidados paliativos, foi aprovada por unanimidade. Já a segunda, referente ao "direito à assistência na morte", contou com 305 votos a favor e 199 contra, viabilizando a ambiciosa reforma apresentada por Macron em 2022, que a ministra da Saúde, Catherine Vautrin, espera que entre em vigor antes das eleições presidenciais de 2027.
Este novo "direito à assistência na morte", que abrange o suicídio assistido e a eutanásia, permitirá que pessoas com "doenças graves e incuráveis", cujas vidas estejam em risco e que experimentem "sofrimento físico ou psicológico permanente", optem por esta alternativa. O objetivo, segundo o ministro da Saúde, Yannick Neuder, é criar um "modelo francês" de assistência na morte, "rigoroso e controlado", que responda às necessidades de doentes que não encontram alívio suficiente nos cuidados paliativos.
Se a medida for aprovada na íntegra, a França tornará-se o oitavo país europeu a legalizar a morte assistida, aproximando-se de nações como os Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo, onde estas práticas são já aceites. Contudo, a nova legislação irá mais além do que as restrições existentes na Suíça e na Áustria, onde o suicídio assistido é permitido apenas sob determinadas condições.
Atualmente, a lei francesa sobre o fim da vida é regulada pela lei Claeys-Léonetti de 2016, que permite sedação profunda e contínua até à morte para doentes terminais. Este tema tem gerado intensos debates na sociedade, especialmente após casos concretos que suscitaram reações significativas.
Um consenso entre os deputados é que profissionais de saúde que não desejem participar na assistência da morte possam invocar objeção de consciência. Segundo o editorial do diário La Croix, a discussão sobre o fim da vida é um assunto profundamente pessoal, que não deve ser abordado apenas sob uma perspectiva de liberdade pessoal.
A Assembleia Nacional debateu o projeto por 15 dias, com divisões claras entre os grupos políticos, sendo a esquerda e o "bloco central" em maior número a apoiar o texto, enquanto a direita e extrema-direita se opuseram.
Apesar da aprovação inicial, o projeto ainda enfrenta um longo percurso legislativo, incluindo uma análise no Senado, onde a direita detém a maioria, antes de ser reavaliado na Assembleia Nacional, potencialmente no início de 2026. O relator, Olivier Falorni, esforçou-se por manter um equilíbrio no texto, resistindo a pedidos para que o direito à morte assistida fosse estendido a menores ou a pessoas que expressaram este desejo nas suas diretivas antecipadas.
Os críticos continuam preocupados com a falta de salvaguardas, como expressou Philippe Juvin, deputado d'Os Republicanos (LR), que alertou para o risco de pacientes recorrerem à morte assistida devido à falta de acesso a cuidados adequados.
Recentemente, cerca de 300 pessoas com doenças ou deficiência manifestaram-se junto à Assembleia para alertar sobre os potenciais perigos da legislação. Uma delas, Edwige Moutou, de 44 anos e com doença de Parkinson, expressou a sua angústia em relação à nova lei, comparando-a a uma "arma carregada" que poderia ser utilizada em momentos de desespero.