A popularidade dos bebés 'reborn' levanta questões sobre o seu uso terapêutico e os perigos associados. Especialistas discutem este fenómeno e os seus impactos emocionais.
Os bebés 'reborn' têm vindo a ganhar notoriedade nas redes sociais, transformando-se de meros objetos de coleção em figuras centrais na vida de muitas pessoas, sendo tratadas como se fossem crianças reais. No Brasil, por exemplo, há relatos de usuários que levam estes bonecos a consultas médicas e até cidades que estabeleceram maternidades dedicadas a estes produtos. Este fenómeno extremo já gerou debates sobre regulamentação.
A despeito das reações estranhas que possam surgir, a utilização dos bebés 'reborn' em contextos terapêuticos tem mostrado resultados positivos. Contudo, é necessário analisar quando esse uso se torna problemático e se a experiência é realmente terapêutica ou apenas uma forma de escapismo.
Para compreender este fenómeno, conversámos com três especialistas: o neuropsicólogo Alberto Lopes, da Clínica Dr. Alberto Lopes - Psicologia & Hipnose, e as psicólogas clínicas Cátia Silva e Patricia Granja, da Clínica Parque do Estoril, na Cordeiro Saúde.
Facetas dos bebés 'reborn'
Os bebés 'reborn' são figuras sintéticas altamente realistas, inicialmente criadas para crianças, mas que agora atraem maior interesse junto de mulheres adultas que se relacionam com eles como se fossem reais. "Estes bonecos são moldados em silicone ou vinil, apresentando um nível de detalhe impressionante", afirma Patricia Granja.
Alberto Lopes acrescenta que "alguns psicólogos fazem uso destes bonecos em situações específicas, como no apoio a mulheres que sofreram perdas gestacionais ou idosos com demência, ajudando também pessoas com problemas emocionais profundos."
Benefícios terapêuticos e riscos
Segundo Patricia, "há evidências de que os bebés 'reborn' podem ser benéficos, especialmente para pessoas com demência, ao estimular relações interpessoais e emoções". Eles também podem ser úteis para pais que lidam com traumas ou lutos não resolvidos. O boneco torna-se um meio de preencher um vazio emocional e oferecer a afeição que foi negada.
Contudo, a prática extrema de tratar os bebés 'reborn' como se fossem verdadeiros filhos suscita questionamentos. Cátia Silva alerta que "as mulheres que adotam esta prática podem estar a deter-se num ciclo que, em vez de ajudar, pode contribuir para aumentar a solidão e a alienação."
“Quando a interação simbólica se transforma numa forma de vida alternativa, corre-se o risco de apagar a linha entre fantasia e realidade, levando a um estado de alienação”, adverte Alberto Lopes. O uso exagerado destes bonecos para evitar a dor real pode estar a esconder problemas psicológicos mais profundos.
Num mundo onde a maternidade é frequentemente romantizada nas redes sociais, Cátia Silva menciona que a necessidade de se alcançar um ideal de 'mãe perfeita' pode agravar sentimentos de inadequação. Isso pode fazer com que as pessoas procurem alternativas que simulem a maternidade sem os riscos verdadeiros associados.
Questões sociais e emocionais
Os especialistas destacam que a rápida ascensão dos bebés 'reborn' pode ser sintoma de problemas mais profundos na sociedade, como a diminuição das relações humanas genuínas. “É importante perguntar o que falha na nossa sociedade que leva tantos a procurar conforto em objetos, em vez de em relações reais”, opina Patricia Granja.
Além disso, o fenómeno também beneficia muitas plataformas digitais, criando um ciclo de lucro através da popularidade dos conteúdos relacionados com os bebés 'reborn'.
Ajuda para quem possui um bebé 'reborn'
Se conhecer alguém que tem um bebé 'reborn', Cátia Silva aconselha a abordagem delicada: "Não remova o boneco. Ouça a dor que existe por trás disso. É fundamental ajudar a pessoa a reestabelecer conexões com a vida real e a processar as suas emoções." Embora a figura possa ser um consolo, a falta de vínculos verdadeiros poderia indicar problemas mais profundos de saúde mental.
“Como profissional, acredito na importância de reconhecer estas expressões de sofrimento disfarçadas como consolo. Apenas assim conseguimos intervir com empatia e verdade”, conclui.