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Agentes funerários: invisíveis na dor, mas fundamentais na despedida

há 2 dias

Profissionais do setor funerário enfrentam desafios emocionais não reconhecidos, apoiando famílias na hora da despedida, enquanto lidam com superstições e o peso da mortalidade.

Agentes funerários: invisíveis na dor, mas fundamentais na despedida

Os agentes funerários desempenham um papel crucial na sociedade, proporcionando suporte às famílias durante um dos momentos mais difíceis de suas vidas: a despedida dos entes queridos. Jorge Salgueiro, sócio-gerente da Funerária de Paranhos - Funerária Salgueiro Lda., do Porto, resumiu a vida desses profissionais quando afirmou: "Durmo com o telefone de um lado e a mulher do outro, pois a qualquer hora precisamos estar prontos para lidar com um funeral."

A psicóloga Vânia Sousa Lima, especialista em Psicologia Clínica, menciona que a natureza imprevisível deste trabalho pode ter sérias repercussões na vida pessoal e na saúde mental dos agentes. "O risco de desenvolver sintomatologia depressiva, ansiosa e até perturbação de stress pós-traumático é significativo", explica.

A morte, embora inevitável, continua a ser um tabu para muitos, o que se reflete em histórias como a de Hugo Salgueiro, da Agência Funerária Hugo Salgueiro, na Maia. Ele observa que, frequentemente, até mesmo os carteiros se recusam a entrar na agência para entregar correspondência, temendo a superstições que cercam o tema.

Por outro lado, existem comportamentos curiosos que demonstram a relação das pessoas com o luto. Hugo descreveu como algumas grávidas mudam de direção ao avistar um carro fúnebre, temendo que isso possa afetar o nascimento. "Há também quem se baixe ao passar pela porta da agência, acreditando que estamos a tirar medidas", comentou.

Esses medos e superstições não vêm apenas de estranhos; também podem ser encontrados no círculo social dos agentes. Jorge Salgueiro relata que colegas da sua mulher questionam como ela consegue partilhar a vida com ele, o que revela o estigma que ainda existe em torno da profissão. "Trabalhamos com mortos, mas os mortos não nos fazem mal. Usamos sempre luvas e máscaras, tentando estar protegidos", defendeu.

A psicóloga ressalta que o contacto constante com a morte pode ser desgastante, evocando lutos pessoais dos próprios profissionais. Para lidar com as dores emocionais, os agentes, como Hugo, criam mecanismos de defesa, embora reconheçam que, em momentos de perda pessoal, essa defesa pode desmoronar.

Histórias marcantes permanecem com eles: "Lembro-me de um irmão que pediu ao coveiro que deitasse a terra com carinho em cima da urna da irmã", recordou. Jorge Salgueiro também se emocionou ao contar sobre um funeral de um bebé, onde a mãe lhe indicou que a criança estava na sua barriga.

Atualmente, não existem apoios específicos para ajudar os agentes funerários a gerir essa carga emocional diária, segundo Vítor Teixeira, presidente da Associação Agentes Funerários de Portugal. Ele menciona a necessidade de formações que abordem essas questões emocionais, em vez de se focarem apenas em como interagir com as famílias enlutadas.

Hugo Salgueiro propõe a colaboração com a Ordem dos Psicólogos para desenvolver protocolos de apoio. Vânia Sousa Lima apoia a ideia, sugerindo que sejam criados programas de formação não apenas para a intervenção, mas também para fortalecer competências que ajudem a lidar com o stress antecipadamente.

Ainda que enfrente muitos desafios, o reconhecimento das famílias é um fator motivador para estes profissionais. "É gratificante saber que o nosso trabalho é apreciado. O reconhecimento dá-nos força para continuar", concluiu Jorge Salgueiro.

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